quinta-feira, março 31, 2005

Momento Zen (cont.)

À minha direita, o senhor do casal recebe um telefonema, e na conversa fala numa série de línguas. Pelo menos português, inglês, francês, espanhol e italiano. "Se pó anche parlare en italiano. Non che probleme", gaba-se ele. Não quis decidir se era uma vaidade absurda, ou uma mera brincadeira entre amigos. O telefonema termina, o momento passa ao esquecimento. Falam ainda qualquer coisa sobre uma ou várias viagens ao estrangeiro, o que reforça a primeira ideia, mas o interesse não justifica formar uma opinião. De novo o silêncio. Na sala, ouço apenas o tilintar ocasional das colheres mexidas com cuidado, e os passos intencionalmente leves de quem se desloca para ir buscar um croissant, uma daquelas deliciosas compotas, um bocadinho de queijo, ou um chá. Os empregados flutuam sobre o soalho e garantem que não falte nada. O Martim diz uma coisa ou outra, misturando-se com o ocasional canto dos pássaros lá fora. A madeira do soalho absorve o resto dos sons. Sinto aquela leveza mole de quem dormiu o suficiente, mas não muito, e os meus movimentos são lentos: a passar a manteiga no pão, a olhar pela janela, a levantar-me e a regressar. A tranquilidade é quase total. O lago calmo. Entretanto, num momento de que não me apercebi, o casal ali ao pé saiu. A Rita diz-me então que, à nossa chegada, a mãe dela ouviu a senhora comentar "Deve ter sido por causa da criancinha que não dormimos esta noite". O Martim tinha-se deitado talvez antes das onze horas, lembrei-me eu, e não tinha feito nenhum barulho especial. Olho pela janela, e o Santuário ainda lá está, controlando Viana do Castelo do alto. Os pássaros cantam por entre o tilintar das colheres e o flutuar dos empregados. A pedra caíu no lago e não produziu a mais pequena reverberação. Olho para a Rita e digo "Sabes? Isso não me afectou absolutamente nada". Ouvi e registei como se alguém me pedisse para passar o sal. Barro a manteiga no pão, ou bebo um gole de chá. Ficamos mais uns minutos. Que belo pequeno-almoço.

1 comentário:

Paulo da Costa Ferreira disse...

Magnífico texto, parabéns!
Senti até... um vazio :)