Enfim, voltando atrás... esta capacidade do António Gedeão para encaixar a nossa condição humana no seio da implacabilidade das Leis da Física encontrei-a eu no poema que se segue, o primeiro poema que me lembro de ser capaz de apreciar. No 8º ano, talvez?
Lágrima de preta
Encontrei uma preta
que estava a chorar,
pedi-lhe uma lágrima
para a analisar.
Recolhi a lágrima
com todo o cuidado
num tubo de ensaio
bem esterilizado.
Olhei-a de um lado,
do outro e de frente:
tinha um ar de gota
muito transparente.
Mandei vir os ácidos,
as bases e os sais,
as drogas usadas
em casos que tais.
Ensaiei a frio,
experimentei ao lume,
de todas as vezes
deu-me o que é costume:
Nem sinais de negro,
nem vestígios de ódio.
Água (quase tudo)
e cloreto de sódio.
Encontrei uma preta
que estava a chorar,
pedi-lhe uma lágrima
para a analisar.
Recolhi a lágrima
com todo o cuidado
num tubo de ensaio
bem esterilizado.
Olhei-a de um lado,
do outro e de frente:
tinha um ar de gota
muito transparente.
Mandei vir os ácidos,
as bases e os sais,
as drogas usadas
em casos que tais.
Ensaiei a frio,
experimentei ao lume,
de todas as vezes
deu-me o que é costume:
Nem sinais de negro,
nem vestígios de ódio.
Água (quase tudo)
e cloreto de sódio.
Adianto desde já que estou bastante conformado com esta condição. Daí eu dizer que, se sou Materialista, não é por reduzir os Homens a calhaus, mas por elevar os calhaus a Homens. E parece-me tudo ser ainda mais belo do que se uma mão divina fosse responsável pelo Universo ("a mão que moldaria nas colinas", do Sérgio Godinho).
A sua interpretação do poema, que julgo portante diferente da minha, levou-o a uma incursão num terreno bem mais pantanoso para mim: o do Sentido da Vida. A sua bela frase ("Como se não bastasse ser lançados na planície, ainda nos foi dada a consciência da situação em que nos encontramos e daqui poder lançar o olhar em todas as direcções") introduz bem a questão. Quem não se questiona, uma vez na vida? E quando diz... "Não há um desígnio ou projecto que nos tenha sido dado para realizar. E se há, não temos notícia dele.", não podia concordar mais consigo. Mas é um vazio perigoso, reconheço. Sou um mau candidato a estar naquelas linhas de Apoio à Vida... se me aparece um suicida, não posso honestamente dizer-lhe mais do que... "A sério, vais dar um tiro na cabeça?... não é o meu estilo, eu sou mais daqueles tipos que vivem sem saber porquê, por vício. Um vício dos diabos. Tu não? Ok, olha, são feitios, não é? foi um prazer conhecer-te...". Queria poder dizer algo melhor ao meu filho: "Filho, vivemos para isto:
Por fim, não posso deixar a sua última pergunta sem uma resposta clara.
P: "Achas mesmo, Luis, que eu estou a tentar «iludir», «entreter», «impedir» a fatalidade? Ou só a contorná-la com razoabilidade?"
R: A um certo nível somos livres, claro. Como as bolas numa tômbola. Sabe-se lá onde vão parar? E as ondas do mar? Dão um trabalhão a simular, usando Computação Gráfica. O movimento é caótico, quem o poderia prever?... Bem, a resposta que tenho para si não é simpática: acho que ainda não se conformou com o facto de ser uma marioneta do Universo (Mário-neta?! O meu subconsciente devia ser internado!). Mas não sei se tem alternativa, eh eh. E eu não posso dizer-lhe outra coisa senão isto, por respeito à verdade. A sua saída é bastante razoável, mas só funciona, parece-me, na Realidade Convencional. O pior é conciliar a vida na Relidade Convencional com a percepção da Realidade Absoluta. E quase ninguém vive a Realidade Absoluta, só aqueles aos quais a maioria chama "alienados".
É tarde, e amanhã trabalho. Boa noite.