Comentário ao artigo "Darwin e a Religião" de Anselmo Borges (DN 28 de Novembro de 2009)
Caro Anselmo Borges,
Ao ler o seu texto senti a necessidade de proporcionar aos leitores do mesmo o devido contraponto.
O respeito pela economia do esforço leva-me de imediato a recomendar-lhe a leitura do livro de Richard Dawkins "The God Delusion" (na versão em língua inglesa, certamente, já que na versão editada em Portugal o título foi traduzido absurdamente pela expressão "A Desilusão de Deus"; outros, com mais propriedade, optaram por "Deus, Um Delírio").
No capítulo "The God Hypothesis", especificamente na secção NOMA (de "non-overlapping magisteria") e em particular na página 56 (Edição de 2006 da Bantam Press), encontraria muito sobre o que reflectir.
Assim, e procurando ser breve e objectivo, que a vida não dá tempo para mais, procurarei canibalizar o referido livro e passar as ideias essenciais, ao meu jeito (com a poupança, para já, das £20 do preço recomendado, na esperança de que as vá gastar em breve):
1) 'Deus é objecto de fé e há razões para acreditar como há razões para não acreditar'
A razão para acreditar em deus (perdoe a minúscula) é a fé, as razões para não acreditar resultam da aplicação da Razão (perdoe a maiúscula). fé é a razão para quando não há razões (sim, minúscula depois de um ponto já é má vontade).
"A fé é um mal precisamente porque não requer justificação e não admite argumentação", diz Dawkins (mas em inglês).
2) 'A ciência responde ao "como" e não ao "porquê" da realidade'
Quando se explica COMO uma causa produz um efeito, explica-se o PORQUÊ do efeito. Poderá haver alguma situação particular em que isto seja menos óbvio, ou até falso, mas não me lembro agora de nenhuma, e por isso a afirmação falha no mínimo por generalista. Entretanto, não há qualquer razão para acreditar que a religião tenha melhor resposta para o "porquê" do que a ciência. Aliás, não há qualquer razão para acreditar que a religião tenha melhor resposta para coisa alguma do que a ciência, uma vez que não tem base racional nem incorpora um processo de auto-crítica e validação, como a ciência. Porquê então a religião? Só porque não sei os próximos números do totoloto, não estou a pensar mandar a Academia de Ciências a Plutão e ir perguntar a opinião à Confraria dos Adivinhadores. Da mesma forma, às vezes é melhor chorar do que colocar uma chucha na boca. As chuchas são para os bebés, e há uma razão para isso. Encher o nosso cérebro com respostas não fundamentadas é bom para acalmar o "espírito", mas não é critério de verdade.
3) 'Assim, é tão ridículo invocar o livro do Génesis, com o seu mito da criação, lido literalmente, para negar a evolução, como invocar a ciência para provar que não há Deus'
Com efeito, provar que não há Deus (maiúsc.) recorrendo à ciência é tão ridículo como tentar apanhar um daqueles unicórnios invisíveis que habitam nas paredes da maioria das casas com um camaroeiro. Mas levar-lhes aveia diariamente não o é menos.
4) 'Aliás, há o famoso "princípio antrópico", que não demonstra Deus, mas que dá que pensar.'
Fica sem resposta, por falta de tempo e jeito. (por alguma coisa o livro custa £20!). De qualquer forma, se o mundo fosse de tal forma que não pudessemos surgir nele, então não estaríamos mesmo, e não tenho grande dificuldade em conviver com esse facto. Se estamos, estamos. Cogito ergo sum, já disseram.
5) 'O próprio Darwin viveu a questão religiosa em perplexidade'
Felizmente, Darwin, para quem estou em eterna dívida pelo seu maravilhoso contributo, não é o Messias da Ciência. A Ciência não depende dele para estar correcta ou errada, a Ciência não tem de se reduzir às suas limitações (menores que as minhas, ao que parece) nem às de ninguém. Assim, as dúvidas de um homem não servem para suportar a eterna dúvida do colectivo. Infelizmente, também a irredutível honestidade intelectual de um homem isolado não é suficientemente contagiosa:
"Contrary to the fantasies of the fundamentalists, there was no deathbed conversion, no last minute refuge taken in a comforting vision of a heaven or an afterlife. For Carl, what mattered most was what was true, not merely what would make us feel better. Even at this moment when anyone would be forgiven for turning away from the reality of our situation, Carl was unflinching. As we looked deeply into each others eyes, it was with a shared conviction that our wondrous life together was ending forever."
- Ann Druyan (esposa de Carl Sagan)
Permita-me uma última citação, antes de me despedir com os votos cordiais de um maior acesso à verdade para todos (afinal o que poderá haver de mais belo?)
"Do not believe in anything simply because you have heard it. Do not believe in anything simply because it is spoken and rumored by many. Do not believe in anything simply because it is found written in your religious books. Do not believe in anything merely on the authority of your teachers and elders. Do not believe in traditions because they have been handed down for many generations. But after observation and analysis, when you find that anything agrees with reason and is conducive to the good and benefit of one and all, then accept it and live up to it."
- Richard Dawkins... ah, não, afinal foi Buda (mas não em inglês).
terça-feira, dezembro 01, 2009
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9 comentários:
Para testar a minha entrada em comentários
Haveria tanta coisa a dizer sobre o teu comentário para o Pe Anselmo Borges sobre R.Dawkins mas vou optar por fazer uma pega de esguelha...(cernelha!).
Às vezes fico a pensar que a nossa intelectualidade parou no tempo, sem cuidar de ajustar o modo de raciocinar da era pre-científica, à nova realidade com que a era da ciência nos patenteou, atirando para limites inimagináveis o Universo que temos para esquadrinhar, com todas as faculdades da nossa mente, ou alma, ou espirito ou o que lhe queiram chamar.
E fico deveras espantado ao ver toda essa intelectualidade bem-pensante, do simples mestre-escola ao catedrático das mais renomadas universidades, já deu a evolução humana como acabadinha da silva e que já perdemos da "animalidade" primeva tudo o que teriamos de perder: as membranas entre os dedos que não fazem falta em terra ou o rabo que nos ajudava a manter o equilibrio a correr ou em cima das árvores.
Deram por adquirido, nesta fase da história humana, que não teremos mais umas centenas de milhões de anos para evoluir. Já estamos como havemos de ir. E de ser!
Afinal, parece que os «padres» têm razão: a evolução ou não é coisa nenhuma ou já está todinha feita, o que vem quase a dar no mesmo, pois pouco importa como começamos se já demos o que tínhamos a dar...Venha o «fim do mundo» ou proclame-se, à maneira de Sartre ou de Saramago, que tudo isto é um perfeito absurdo, comamos e bebamos que amanhã morremos, e contem-se umas histórias para entreter a malta.
E, como os extremos se tocam, crentes e ateus, na sua generalidade, proclamam a inutilidade deste Universo-Que-Somos. De caminho, vão-se insultando, porque deixaram de se considerar peregrinos da verdade: Filo-sofos. Ao contrário, na sua impáfia, consideram-se senhores da verdade e anunciam o fim da História, em que, para uns, ficaremos reduzidos a calhaus e, para outros, a almas penadas.
Será que não há alternativa mais decente?
A mente humana, e a minha sobremaneira, funciona de forma tortuosa, com atalhos esquisitos. A leitura do seu comentário fez acender esta lampadazinha no meu cérebro:
(http://en.wikipedia.org/wiki/Madhyamaka) "Mādhyamaka is the rejection of two extreme philosophies, and therefore represents the "middle way" between eternalism—the view that something is eternal and unchanging—and nihilism. Nihilism here means the assertion that all things are intrinsically already destroyed or rendered nonexistent."
Saiamos agora do atalho, e voltemos à estrada principal. Lastimavelmente, eu sou mesmo um dos ateus que proclamam a inutilidade deste Universo, e em particular desta pessoa que parece que sou (dependendo do ponto de vista)! Digo-o sem ponta de rancor - não vá agora pensar que me "piquei" (tarde demais, já pensa!... não? bom...). Realmente tenho muita pena de achar que não há mesmo utilidade nenhuma, objectivo nenhum nisto tudo. Tinha um piadão que houvesse assim uma missão, um propósito, um grande desígnio.
A maior parte das vezes deixo-me enganar e andar enredado no lufa-lufa do dia-a-dia (tantos tracinhos!) mas a minha Verdade anda próximo da "redução a calhaus" de que fala. Com uma diferença importante, para mim. É que eu não reduzo as pessoas a calhaus. Eu elevo os calhaus a pessoas.
Um quadro não existe. Da tela e das tintas dispostas de uma maneira particular, dos meus componentes visuais e intelectuais, e da interacção entre todos, resulta a apreciação artistíca. Essa apreciação é dependente de tudo o resto e não tem existência intrínseca. O quadro é dependente de tudo o resto e não tem existência intrínseca. Eu sou dependente de tudo o resto e não tenho existência intrínseca. Eu existo na sua cabeça, Mário, mas para as bactérias que um dia hão-de comer esta ideia que o Mário faz de mim, eu não sou nada. Vai haver é uma série de almoçaradas... e estou certo que nenhuma das bactérias se há-de lembrar de dizer: "Sabem como é que devíamos chamar a estas jantaradas que começaram há sete anos [se a terra for boa] e acabaram hoje? 'Luís' era um nome porreiro, pá.". Para o coveiro serei o recheio do caixão. Para alguns uma lembrança. Para outros serei coisas diferentes.
Podemos assim perguntar (mantendo o ponto de vista que sustenta que eu existo... é uma maneira de ver o mundo, popular entre alguns):
"O que é que faz este tipo andar para a frente?"
Vício e mau feitio. Tenho o vício e o mau feitio (apurados ao longo de milhões de anos) de me manter vivo, e de orientar a minha vida segundo uns quantos preceitos e comportamentos (que pomposamente intitulo de objectivos, por fraqueza de linguagem), de entre os quais a busca da Verdade Última das coisas é um dos mais relevantes. Foi essa Verdade que o Mário me fez voltar a visitar neste Dia de Natal.
Obrigado e Feliz Natal
Mano: Posso aceitar a posição do nosso pai de que a religião é assunto dos sentimentos. O problema é quando nos interpelam com afirmações como a que há tempos me fez uma amiga minha: "Deus criou-te e o mínimo que espera de ti é que O reconheças." Aqui são os meus sentimentos que estão em causa, não gosto de ser tratado como ingrato nem como mau filho. Eles às vezes são chatos, pá!...
No livro do Génesis diz-se que Deus criou-nos «à sua imagem e semelhança». O autor deste livro era, necessáriamente, uma pessoa humilde e sabia ocupar, com dignidade, o seu lugar na «obra da criação». Na seu modesto entender, e reconhecendo o privilegiado lugar entre os seres viventes, achou que o «Criador» lhe dera algo de si mesmo, uma simples «semelhança» que fosse.
Mas isto não bastava aos crentes vindouros, que foram inchando de sabedoria em filosofias e teologias, ao ponto de já saberem de ante-mão quem é e como é e como sente e pensa o «Criador». Acabaram por inverter os papéis: O crente criou um Deus à sua imagem e semelhança, sendo a criatura a criar o criador... Que atrevimento, Paulo Costa!
Vejo aqui um paralelismo com a benção Urbi et Orbi em que o Papa oferece a indulgência plenária pela tv. Parece que nos está a oferecer algo de inofensivo, mesmo aos não crentes, pois se trata de uma absolvição. Mas o que tem implícito é que somos todos culpados perante o seu deus, e algo mais, ainda: Que tem o poder e a autoridade para nos absolver perante o juizo severo do seu mandante. Essa arrogância ou atrevimento de se assumir como o medium que tem acesso privilegiado aos pensamentos e desejos do deus é afinal o princípio que desde sempre tem dado suporte aos manipuladores de astrologias, oráculos, e outras formas antigas de superstição. Actualmente esse papel arrogante passou para outros sacerdotes: o meu amigo preste atenção, a crença pode revestir-se de muitas formas. Deus morreu, mas o super-homem não chegou a nascer. O ateismo não nos livra da fé, que continua a ser o cajado com que os novos sacerdotes guiam este rebanho indolente. As vestes são outras, os ingredientes mudaram, mas os truques e os objectivos, esses continuam os mesmos.
Com aquele «atrevimento» eu queria referir-me, Paulo Costa, tão sómente à pretensão dos teístas de conhecerem Deus por dentro e por fora: ele é assim e assado e nós somos como ele ou parecidos com ele. E este pretensiosismo atinge as raias do absurdo quando se quer impor uma ética e uma moral, decorrentes de uma filosofia e de uma teologia, fundamentadas nesse pretenso é prévio conhecimento da divindade ou da sua vontade, ou do seu desígnio a nosso respeito. Tais «sacerdotes», como o Paul diz bem, apresentam-se a nós como porta-vozes desse privilegiado e incontestável conhecimento. São senhores da «Palavra de Deus». E quem está de fora deste circo percebe logo que cada grupo religioso, cada Palavra do seu Deus...
Concordaria inteiramente com o Luis quando ele diz que não crê que haja um projecto ou um desígnio divino acerca do nosso Universo, não fosse dar-se o caso de eu pôr simplesmente de parte tal questão. Para mim é secundaríssimo e pura perde de tempo afirmar tal desígnio ou refutá-lo.
Já me basta o Mistério incrível da vida e do nosso universo para, ocupar proveitosamente o meu pensamento. Este, sim, é real e impõe-se-me como a minha própria vida. E é para ser apaixonadamente vivido e escrutinado por todas as nossas capacidades humanas. Fantasiar sobre um qualquer outro pretenso mistério não cabe nos planos da minha filosofia e muito menos me motiva para dar o salto no escuro que é a fé dos homens traduzida em códigos morais e éticos e em teologias e filosofias. Humildemente, porque a nossa própria vida e seu universo é ela própria o mistério dos mistérios, respeito as opções de cada um. E na crítica as respeito.
Conta-se acerca de Einstein que, quando em menino lhe ensinaram que Deus Criou o Mundo, ele terá perguntado: E quem criou Deus?
POis é, meu caro Einstein, tão pequenino e já percebias que «criar» é um conceito do homem para o homem. Aplicado a uma «entidade» com atributos por natureza «incriados», sai disparate. Tentemos imaginar a «face de Deus»...Infinito: esticado aquele «rosto» até ao infinito, que imagem projectaríamos num ecrã?
Nem quero imaginar o tamanho e o jeito do fantasma!
Sim, eu tinha compreendido o que o Mário Neiva pretendera dizer com "atrevimento". Procurei chamar a atenção para que o ateísmo é proveitoso se surgir como consequência de se terem preenchido os espaços vazios deixados pela ideia teísta suprimida. Caso contrário, outros quererão usar esse vazio em seu proveito, de forma igual ou piormente perniciosa do que o fizeram os sacerdotes tradicionais. Convém estar atento a novas formas de manipulação e de fé, sobretudo atendendo a que nós próprios podemos estar a ser os objectos dessa manipulação - sem que disso cheguemos a dar-nos conta.
E anda por aí, já lá vão algumas décadas, mas agora acentuou-se, uma nova vaga de fé que acredita e proclama a emergência de uma uma Nova Era (New Age). Tenho estado atento a estes esotéricos. Não posso deixar de os considerar assim, tal é a falta de rigor das suas propostas. Quem os ouve falar em nome da ciência e de conhecimentos científicos até pode começar por ficar impressionado. Depois constata-se que é o mergulho nos escuro, um verdadeiro «salto da fé».
O que ressalta deste movimento New Age é a percepção aguda de que o mundo está em mudança acelerada.Mas começam logo a «meter água» quando fantasiam(é mesmo isso) um homem «puro espirito» pairando sobre a matéria e até criador da própria matéria. UM deles, famoso quanto baste, diz, preto no branco: não é o nosso cérebro que cria o nosso espirito mas o nosso espirito que cria ao nosso cérebro.
Como vê, Paulo, este iluminado nem sabe que tem um pai e uma mãe...Vá lá, que ainda descobriu que lhe foi parar um cérebro em cima dos ombros, perfeitamente dispensavel para que ele fosse o que já era. Talvez servisse apenas como emissor-receptor, para captar as novidades deste mundo, porque, sendo puro espiriro, não havia como interagir com a matéria...
Fé não lhes falta. E se a fé dos crentes tradicionais não se aprimorar vão ser engolidos sem dar por isso. O seu discurso é muito apelativo. As pessoas andam meio atordoadas com tantas e tão profundas mudanças, com tanta inovação, com tanta proximidade repentina, tanto do crime como da beleza e bondade. Até casamentos entre homossexuais! Ainda ontem era crime nefando, a homossexualidade, e ainda é punida exemplarmente entre os islâmicos, e já se vai estendendo a passadeira vermelha do casamento para as «aberrações» de ontem.
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